Encerramento do Grupo de Estudos em Águas de São Pedro em 1974 - Dr. Oscar
Xavier de Freitas - Procurador-Geral de Justiça de 20.03.1971 a 03.04.1975
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No instante do encerramento em São Pedro de mais um conclave dos Grupos de
Estudos dos Promotores do Estado de São Paulo, transmito a cada um dos
participantes o entusiasmo que transcende a emoção de um episódio porque resulta
da análise feita do sentido e das repercussões dos Grupos de Estudos na vida
institucional.
Os Grupos de Estudos foram historicamente a primeira
manifestação marcante dos anseios da unidade orgânica e modernização do
Ministério Público. E isto é facilmente demonstrável pelo exame dos interesses e
das aspirações que dominaram determinadas fases de nossa evolução histórica em
confronto com a descoberta de valores que só recentemente vêm sendo
aclarados.
Convém recordar especialmente aos mais novos que o Ministério
Público embora antigo é de nossos dias. Antes era, como tenho repetido, a
instituição sem vida institucional. Houve tempo em que o Promotor ingressava nos
quadros disposto a iniciar qualquer atividade nova, menos para se engajar numa
carreira. O bacharel recém-formado feito promotor situava seus interesses além
do cargo ou fora da função. A promotoria era um bom começo para um próspero
escritório de advocacia, o início duma carreira política ou o compasso de espera
para o ingresso na Magistratura. Disso resultou um alheiamento generalizado para
com a instituição que não vivia a não ser pelo valor individual de alguns dentro
de um quadro desprovido de organicidade.
Criada a carreira permaneceram
os condicionamentos históricos que remanescem no trabalho isolado e no
individualismo de que muitos não se livram. O isolamento e o individualismo
constituem o primeiro elemento perturbador da insconstitucionalização do
Ministério Público.
Para evitar a desagregação que comprometia a
autoridade funcional, entregou-se o Ministério Público ao comando do Judiciário.
Na década de 1920 a Instituição foi confiada a um ministro do tribunal, a
exemplo do que ocorrera no Império. Se com esta chefia o Ministério Público
ganhou autoridade, na verdade a assimilação do estilo do magistrado alado ao
estímulo que se criava ao ingresso na magistratura seu nascimento a um novo
elemento de perturbação. É que o novo estilo não servia à institucionalização.
Mais tarde, o Ministério Público, diferenciado da magistratura, inclusive pela
chefia, não se desvinculou emocionalmente dos ideais e das aspirações próprias
dos magistrados. O estilo do magistrado, a nostalgia judicial paralizava a
criatividade. Os ideais e aspirações não eram elaborados dentro da Instituição,
mas tomados de empréstimo. Não havia autonomia de vontade e de interesses. Mudar
a carreira ou mudar de carreira o singular anseio de muitos. O promotor
autolimitava-se pelas aspirações e pelos interesses da Juiz. O seu trânsito
deveria ser cópia servil do itinerário do magistrado. O Promotor era com que um
Juiz irrealizado. Este o novo elemento perturbador de nossa
institucionalidade.
Diante deste quadro os Grupos de Estudos aparecem
como a primeira manifestação histórica de afirmação
institucional.
Coincidindo com o surto de desenvolvimento em que se
possibilitaram melhores comunicações, o Promotor descobriu o outro e a ele se
ligou como se solidarizou para realizar um trabalho de elaboração de aspirações
comuns e diferenciadas que conferem chancelas próprias a uma instituição. Era a
necessária mudança de atitude que exige o discernimento sobre os próprios
interesses e não se conforma em adotar os interesses que outros elegeram para
si. O importante não é mais sair em busca do que os outros possuem, mas, do que
convém obter e, sobretudo, alcançar a consciência dos próprios objetivos. O
desejo de assemelhação com a magistratura começa a ser superada com o afirmar da
autonomia de propósitos.
Neste sentido a tarefa dos Grupos de Estudo na
superação das deformações culturais herdadas das contingências históricas que se
revelam no trabalho isolado, no individualismo e na alienação dos próprios
ideais é significativa porque tem sido apoio e suporte moral da administração do
Ministério Público.
Coexistindo com estes elementos de perturbação que
permanecem de certa forma como anacronismos culturais, o personalismo exacerbado
manifestou-se numa instituição de frágil organicidade revelando-se especialmente
nas competições para a composição do Conselho Superior. Os Grupos de Estudos
sucederam ao mais aceso das competições que, comprometendo a seriedade da
instituição, por pouco não a dissolveu. O processo eleitoral que assimilou
exemplos negativos da ida partidária valorizou a competição de tal sorte que a
certo tempo nada se fazia que não fosse em sua função. O clima emocional
envolvia quase sempre a administração que se condicionava ao processo
competitivo e paralizava o desenvolvimento das atividades específicas do
Ministério Público, destinadas a servir o interesse social.
Esta deformação
emocional que sempre ameaça perturbar a administração encontrou reparos nos
Grupos de Estudos distanciados dos que erigiam um mero processo de valor quase
absoluto.
Neste ambiente de trabalho cuidou-se da descoberta dos
verdadeiros valores e assim de sua prevalência sobre as preocupações que os
alienavam. Muitos, atônitos, ainda não deram pela mudança. É que as coisas
tinham ido muito longe até o ponto de muitas reformas da lei orgânica terem sido
determinadas por eventuais interesses de competição.
Na medida em que os
Grupos de Estudo souberam redescobrir valores e comunicar a todos uma
consciência institucional foi possível à administração desvalorizar interesses e
competições individuais e ao mesmo tempo enfrentar enraizadas rotinas para dar
novo sentido e grandeza à instituição com a valorização do trabalho e a
preservação de sua unidade orgânica. Isto não se fez sem os desgastes
representados pelos últimos murmúrios dos que não se libertaram dos anacronismos
que perturbam o desenvolvimento e a afirmação e, assim, se marginalizaram por
não perceberem as mudanças ou o sentido destas mudanças.
O novo centro de interessa trouxe como resultado o começo de
modernização do Ministério Público. A
formação de equipes de trabalho de comprovada
eficiência, a coordenação de atividades, a pesquisa
orientada são exemplos de inovações postas em
prática que, ao lado da instalação de modernos
equipamentos a serviço das atividades fins, fazem com que a
instituição de hoje não seja mais a de ontem.
Não tem escapado à observação geral que a
dinamização presente fez do Ministério
Público o poder fiscal das decisões judiciárias de
que tem resultado sensível e recente renovação da
jurisprudência.
A presença atuante dos Grupos de Estudos que
já se incorporaram ao nosso patrimônio histórico permite confiar na vigilância
comum para que os elementos emocionais, com suas deformações, não interfiram na
linha ascendente do atual desenvolvimento, com os riscos de um
retrocesso.
Quando deixar a Procuradoria-Geral, em breve tempo, estarei
sentado lado a lado com cada participante dos Grupos de Estudos com o pleno
entusiasmo do iniciante que a experiência me ensinou ser necessário à realização
de qualquer ideal.
Tenho um compromisso para com o Ministério Público e,
por isso, um compromisso pessoal com os Grupos de Estudos dos Promotores
Públicos deste Estado.
São Pedro, 14 de dezembro de 1974.